Costa Rica entre mitos e realidade
16/6/2015 15:36
Por Marilza de Melo Foucher - de Paris
Eu tinha uma enorme curiosidade de conhecer Costa Rica, um país
sem forças armadas e com outros princípios de governabilidade
democrática que leva em conta a preservação da natureza e um modo de
intervir para garantir a sustentabilidade do desenvolvimento. Esta era a
imagem que muitas pessoas aqui na Europa tem deste país. Alias, todos
os guias, artigos publicados na Europa, os programas de instituições
internacionais sobre questões ambientais e desenvolvimento sustentável,
sempre exaltaram Costa Rica, tanto pelo fato de ser um país de paz, como
exemplo a seguir do modelo de desenvolvimento distinto de outros países
da América Latina. Seria Costa Rica realmente o novo paradigma de
desenvolvimento? Para mim esta indagação necessitava de resposta. Além
de leituras e um bom roteiro de viagem com a ajuda de um amigo local, a
melhor resposta para esta questão seria de cruzar informações e buscar
testemunhos de atores locais envolvidos com questoes ambientais,
culturais, de educação dentre outras. Assim procedi para escrever este
artigo.
Alguns dados geograficos
Costa Rica reúne em um espaço geográfico de apenas 51.100 km² e,
possui 212 km de litoral na costa caribenha e 1016 km na costa pacífica,
conta com uma população de 4.610.000 habitantes. Apesar de seu espaço
geográfico pequeno ( um pouco menor do que o Estado do Rio Grande do
Norte-Ne ) comparado com outros países da América Latina, este país
conta com uma enorme diversidade do mundo vivo na natureza, mais
conhecida hoje como a biodiversidade, assim como, uma diversidade
ecossistêmica que encanta qualquer ser humano com consciência ecológica
disposto a observar esta exuberante natureza. Os ecossistemas tanto
terrestre, marinha e de água doce são diversos. A floresta é dominante
no país e representa 45% do território nacional, as tropicais são as
mais importantes, mas existem outros tipos de florestas, pântanos,
mangues, os páramos e savanas. Cerca de 24,3% do país é coberto por
pastagens e culturas perenes e plantações.
Atualmente existem 123 reservas privadas em Costa Rica e 28 parques
nacionais. Costa Rica, através da sua legislação, definiu nove
categorias de gestão para as áreas protegidas naturais do país, sob a
liderança de um sistema de proteção nacional (Sistema Nacional de Áreas
de Conservación / SINAC), em conformidade com a lei sobre o meio
ambiente de 1995 (No. 7554, artigo 36). A sua gestão pode, em alguns
casos, ser confiada a particulares. Essas categorias são: parques
nacionais, reservas biológicas, reservas florestais, áreas protegidas,
refúgios de vida silvestre (públicas, privadas ou mistas), zonas úmidas
(incluindo manguezais), locais de patrimônios naturais, reservas
marinhas, áreas marinhos de proteção. Sem contar seus inúmeros vulcões
que uma vez ou outra se despertam para a contemplação dos turistas. Seus
parques naturais oferecem um momento sublime para escutar inúmeros
ruídos, mas também se pode escutar o silêncio…
Desenvolvimento sustentável ou mercantilização da natureza ? O marketing ecológico
Segundo os relatos, nos anos 50, 60 começa em Costa Rica uma politica
“conservacionista” de proteção ambiental ( floresta, animais) e se
criam algumas reservas privadas porém não existe até então uma
consciência ecologica. Serão alguns estrangeiros que irão contribuir
para a preservação ambiental criando as primeiras reservas florestais.
Perguntei se havia hoje realmente uma consciência ecológica por parte
das redes hoteleiras que investem no ecoturismo. A primeira informação
obtida é que “a consciência verde da maioria dos promotores do
ecoturismo e dos políticos locais está mais ligada no verde dólar que na
preocupação de preservar a longo prazo a biodiversidade”.
Na verdade, ao longo da viagem tive a percepção que nem sempre o
ecoturismo e desenvolvimento sustentável estão intrisicamente ligados.
Além do turismo ecológico realizei varias entrevistas e registrei
diversos testemunhos, principalmente de jovens que atuam na area do
eco-turismo, trabalham nos parques e reservas naturais, em organismos do
governo e atuam em Ongs ambientais. Guardarei o anonimato como
prometido, dado o envolvimento profissional.
O turismo representa hoje a maior fonte de riqueza do país. Por tras
do discurso oficial de proteção ambiental e do desenvolvimento
sustentável a realidade é bem outra. As empresas de turismo tem
investido consideravelmente na gestão de negócios ligados à natureza.
Existe uma abundância semântica na área do turismo que vai do turismo
responsável, turismo sustentável, eco-turismo, turismo verde dentre
outras. A costa do Pacífico teve investimento turístico massivo e agora
está ameaçada pela concretagem, o que preocupa os ambientalistas de
Costa Rica. Depois de degradarem enormente a fauna e a flora essas
grandes empresas hoteleiras passaram a investir na natureza, entretanto,
a preocupação maior parece ser o lucro que podem tirar dela e não de
investir na durabilidade dos recursos naturais. Para eles a linguagem do
eco-turismo é um modo de atrair clientes, entretanto, a preocupação é a
rentabilidade, não salvaguarda do meio ambiente. Costa Rica se tornou o
paraíso do” ouro verde”.
Contradições entre o desenvolvimento sustentável e o modelo econômico
Alguns dos entrevistados levantaram a questão sobre certas
contradições entre o discurso oficial sobre o desenvolvimento sustentado
e o modelo econômico costarricense incapaz de garantir beneficio social
com a qualidade ambiental. Um sistema de produção agrícola por si só já
reduz a diversidade biológica do ambiente a partir da transformação de
um ecossistema em um agrossistema. Além disso, o uso excessivo de
agrotóxicos sem regulaçao provoca danos ambientais e humanos. Um dos
exemplos mais evidentes é a expansão do modelo agro-industrial que
coloca Costa Rica na liderança de exportações
de frutas principalmente de ananás. A produçao intensiva de ananás tem
causado grandes impactos ambientais e prejudicado a saúde dos
trabalhadores rurais e das comunidades que vivem cerca das grandes
plantações. Além das péssimas condiçoes de trabalho e de baixos
salarios. Recentemente (20 de março de 2015), a Comissão Interamericana
de Direitos Humanos (CIDH) realizou uma audiência para ouvir os
argumentos das comunidades rurais de Cairo, França, Louisiana e Milão
(na região do Siquirres) que tiveram seus aquíferos contaminados por
empresas envolvidas na produção de abacaxi. Desde julho de 2007, mais de
6000 pessoas dessas comunidades rurais bebem água proveniente de
caminhões cisternas (carro-pipa) fornecidos por uma entidade pública de
Costa Rica. Tudo isto destrói a imagem veiculada sobre o mito nacional
do desenvolvimento sustentável.
De fato, o discurso idílico ambientalista é incompatível diante da
realidade. As contradições não são tão recentes, conforme nos declara um
jovem agrônomo especializado em questões ambientais. Ele diz que as
grandes plantações de bananas foram geralmente estabelecidas em
detrimento da floresta tropical. Por causa do desmatamento, o uso
intensivo de produtos fitossanitários e a presença humana constante,
terminam sempre reduzindo a biodiversidade. O plantio de bananas não
corresponde com o habitat natural da fauna ou da flora local. A fauna
das bananeiras, segundo ele, é muito pobre e se compõem principalmente
de pragas que até hoje estão tentando se livrar. Alias, a Costa Rica se
tornou também em um mercado de dumping para as transnacionais, estas
podem vender produtos químicos, e tipos de pesticidas proibidos por
exemplo na Europa. Sabe-se que na Europa esses produtos estão sujeitos a
restrições de utilização. Além disso, embora o arsenal jurídico da
Costa Rica sobre as questões ambientais é bem suprida, todavia, o
governo parece não ter a capacidade, material e humano institucional
cumprir as leis ambientais em vigor (LA Thrupp, 1988 pp 44-46. Nações
Unidas, Comissão Econômica para a América Latina e no Caribe, 2000, p.
93).
Eu já havia lido alguns artigos sobre esta questão, inclusive no
Relatório do Estado da Nação sobre o Desenvolvimento Humano Sustentável
(2010) esta problemática é abordada. Segundo o relatório, em 2009, a
Costa Rica importou mais de 300 toneladas de substâncias que contêm
bromo metano, um agroquímico classificado como destruidor da camada de
ozônio. Além disso, o relatório chama atenção sobre a poluição da água
devido os resíduos de matérias fecais e poluição química que vem
aumentando desde 2001. Comentei este relatório com uma jovem de origem
franco-costarricense que estudou desenvolvimento sustentado e trabalhava
numa Lodge de ecoturismo para saber se havia avanços sobre esta questão
a e ela diz que infelizmente continua, tendo em vista que existe em
Costa Rica uma expansão agrícola e urbana, que não respeita as margens
de proteção das fontes de captação de água para consumo humano.
O uso irrefletido de pesticidas no passado com a grande plantação de
bananeiras tem consequências até hoje sobre a reconversão dessas terras
para o cultivo agricola. Nem a degradação dos solos parecem terem
sensibilizado os governantes de Costa Rica que permitiram a continuidade
das grandes plantaçoes para exportação.
Outro dado que nos chamou atenção também foi a quantidade de lixo nos
diferentes lugarejos, além da falta de sistema de tratamento de esgotos
sanitários em muitos lugares turísticos.
Esses testemunhos de mulheres e homens comprometidos com a questão
ambiental e desenvolvimento desmistificam a imagem positiva da prática
de um desenvolvimento com sustentabilidade, todavia, vale ressaltar que
ninguém nega os avanços realizados no dominio da preservaçao da natureza
com relação a outros paises da América latina. E muitos fazem bem a
diferença entre conservação da natureza e o desenvolvimento sustentável.
O que eles questionam é a formatagem de linguagem sobre o conceito da
sustentabilidade usado pelos organismos governamentais que não
corresponde à realidade do país.
Discussão final
As informações que recolhi durante a viagem serviram de base de
discussão com o sociologo e educador popular Oscar Jara e com ele
aprofundei certas questões do ponto de vista da ecologia politica. Ele
relata que as décadas de 60/70 foram marcadas por uma politica mais
progressista que vai implementar a ideia de uso de energias renováveis, e
aos poucos o abandono das termoelétricas. Nasce então a energia limpa.
Nesse período vai se concretizar a ideia dos parques nacionais como
espaços de proteção e recreação, com trilhas na florestas que permite
passeios mais seguros e oferece locais para passar o dia. Costa Rica
comeca então a ter um Sistema Nacional de Areas de Conservação e que
hoje é vinculada ao Ministério do Meio Ambiente. Entretanto, os Parques
Nacionais, segundo Jara vão surgir como ilhas em diferentes lugares do
país e não se integram em uma politica de sustentabilidade no plano
nacional. Segundo o sociólogo e depoimentos recolhidos anteriores, a
politica de desenvolvimento sustentável está mais para o marketing
ecológico do que como modelo politico de governabilidade. Trata-se de um
mito politico, tendo em vista que esta temática está longe de um
modelo concebido de forma integrado para o desenvolvimento territorial
em todo o país. Caberia ao Estado Costarricense estabelecer um governo
não só eficaz no plano econômico e no lobbyng internacional,
aliás, este modelo de capitalismo neoliberal é questionado pelos
movimentos e organizações ambientais, pois ele representa uma ameaça à
proteção da biodiversidade. Ele não é nem socialmente justo e nem
ecologicamente sustentável a longo prazo. Tendo em vista que um
desenvolvimento com sustentabilidade é baseado na busca da interação e
coerência das políticas sectoriais. A pratica neo-liberal é deste modo
incompatível com a sustentabilidade do desenvolvimento.
O educador sociologo Oscar Jara fez um excelente resumo sobre o
impacto negativo das politicas neo-liberais. “Nos anos 90 começa o
aceleramento das politicas neoliberais que vai afetar a evolução das
iniciativas de sustentabilidade do eco-desenvolvimento. O processo de
privatização de terras vai se expandir, e uma nova concepção de turismo
vai se impor. Toda a zona costeira vai ser destinada para a grande
inversao turistica que se afasta da concepção ecológica sem nenhuma
política sustentabilizada. Dispondo de bonitas praias e perto de parques
naturais, as redes hoteleiras vendem o conceito de ecoturismo. Existe
claramente uma tentativa de se aproveitar da natureza como monetização.
As grandes cadeias hoteleiras do exterior percebem que o turismo
ecologico é altamente rentável, Costa Rica vai representar uma espécie
de ouro verde e os investimentos na area turistica não cessam de se
expandir”.
Na entrevista que fiz com um jovem que trabalha numa ONG
ambientalista, este ponto de vista é confirmado. “A privatização da
natureza gera boas fontes de recursos e criam uma vantagem comparativas
com relação a outra forma de turismo. Trata-se de uma politica puramente
comercial e Costa Rica passa a ser uma paraíso para este tipo de
investimentos. São as grandes cadeias hoteleiras internacionais que irão
comprar muitas terras em Costa Rica com todo o apoio do governo. Até
então sem nenhum controle de regras ambientais. A maioria dos esgotos
por exemplo, vão para os rios e mar. Assim como o lixo que poucos
praticam a reciclagem. “
Outra informação relevante e polêmica é que Costa Rica é o primeiro
país a fazer uso do sistema de bônus de conservaçao em troca da divida
externa considerada impagável no final dos anos 80. Uma grande parte de
empresas estrangeiras hoteleiras vao adquirir reservas e vão usar o
eco-turismo sem nenhuma vocação para promover o desenvolvimento
sustentável no pais. Os lucros do marketing ecológico nem sempre
beneficam o desenvolvimento econômico, social e cultural das comunidades
locais e sim aos interesses privados de inúmeros estrangeiros que se
apropriaram de reservas naturais.
O desafio do desenvolvimento sustentável parece não ter tido muito
impacto junto à administração publica que continua privilegiando o
desenvolvimento sob a ótica econômica.
As empresas de turismo tem investido consideravelmente na gestão de
negócios ligados à natureza. Existe uma abundância semântica na área do
turismo que vai do turismo responsável, turismo sustentável,
eco-turismo, turismo verde dentre outras. A costa do Pacífico teve
investimento turístico massivo e agora está ameaçada pela concretagem, o
que preocupa os ambientalistas de Costa Rica. Depois de degradarem
enormente a fauna e a flora essas grandes empresas hoteleiras passaram a
investir na natureza, entretanto, a preocupação maior parece ser o
lucro que podem tirar dela e não de investir na durabilidade dos
recursos naturais. Para eles a linguagem do ecoturismo é um modo de
atrair clientes, entretanto, a preocupação é a rentabilidade, não
salvaguarda do meio ambiente. Costa Rica se tornou o paraiso do” ouro
verde”
Os critérios de sustentabilidade no paraiso tropical “ouro verde” nem
sempre são colocados em pratica. “O turismo sustentável “é aquele
turismo que respeita e preserva a longo prazo dos recursos naturais,
culturais e sociais e contribui de forma positiva e equitativa para o
desenvolvimento económico e o bem estar de indivíduos que vivem,
trabalham ou permanecem nesse espaços. Dai o desenvolvimento sustentável
não pode somente ser utilizado como marketing do ecoturismo. Ele deve
assegurar as comunidades locais uma parte das receitas que pelo menos
possa conciliar o turismo com a melhoria das suas condições de vida. As
comunidades devem serem envolvidas também como protagonistas de
propostas de desenvolvimento local e não somente como mao de obra
barata.
Oscar Jara mostrou-me vários vídeos realizados sobre as ultimas
manifestações dos movimentos sociais e organizações ambientalistas, deu
pra sentir a enorme vitalidade e criatividade dos jovens de Costa Rica,
eles inovam na militância e lutam por um modelo de governabilidade
democratica onde os recursos naturais e as diferentes culturas não sejam
mercantilizadas.
Nota: O atual presidente de Costa Rica Luiz Gilherme Solis em visita à
Paris numa entrevista dada ao jornal “Le Monde” do dia 5 de junho sobre
o compromisso de Costa Rica de ser o primeiro país neutro de carbono
até 2021 diz que o equilibrio entre desenvolvimento econômico e
desenvolvimento sustentavel é dificil de ser encontrado ao se referir ao
financiamento da China ao projeto de refinaria.
Marilza de Melo Foucher, é economista, jornalista e correspondente do Correio do Brasil em Paris.